A primeira semente, o primeiro pensamento, aconteceu em 1979

Em 1979 eu realizava uma exposição individual em Madri, e como permaneceria na Espanha por 30 dias, passei a percorrer o país em companhia de um amigo arquiteto, D. Jayme de Alvear Criado. Ele nos conduzia, a mim e a minha mulher Clélia, por locais que julgava importantes: ruínas arqueológicas, monumentos arquitetônicos, palácios e até eventos gastronômicos. Em uma dessas viagens, chegamos à cidade de Cuenca, onde se encontram as famosas casas colgadas (penduradas), construídas sobre penhascos no alto de uma montanha. Habitadas entre os séculos XV e XVIII, foram depois abandonadas. As casas foram reconstruídas em 1927 e restauradas externamente entre 1950 e 1978, conservando as fachadas originais e internamente totalmente modernizadas.

Entre 1950 e 1960, surgiu na Espanha uma nova, forte e bela geração de pintores – a Geração Abstrata. Como lhes faltava um local onde o público pudesse contemplar esta importante manifestação artística, – os pintores tinham suas obras espalhadas em museus e galerias da Europa e dos Estados Unidos – a Prefeitura de Cuenca cedeu as casas colgadas para o pintor Fernando Zóbel e seus companheiros criarem o Museu de Arte Abstrata Espanhol.

Ao visitar o museu, fiquei maravilhado e logo pensei: “Por que não algo similar em Tiradentes?” Foi um pensamento instantâneo, contudo difícil de ser posto em prática. No momento, eu lutava para me firmar em minha carreira, quase não tinha recursos para manter e cuidar de nossa casa tombada em Tiradentes; havia ainda a responsabilidade de criar e educar quatro filhas com o auxílio de uma companheira amada, que me apoia há anos.

De 1979 voamos para 1992, quando uma filha advogada vai morar com o marido nos Estados Unidos da América do Norte, no estado de Nova York, em uma pequena cidade chamada Armonk. Passamos lá uma temporada, onde pintei o outono americano: amarelos, laranjas, verdes, e azuis nunca vistos, parecendo irreais. A casa ficava no centro de um bosque, onde os esquilos nos acompanhavam no café da manhã, ao mesmo tempo em que os cervos pastavam no gramado – o paraíso na Terra.

Certo dia, meu genro Gilberto me perguntou se eu desejaria visitar a coleção da revista Reader’s Digest1, em Pleasantville, cidade próxima a Armonk. Nós nos inscrevemos (eram permitidas no máximo 10 pessoas), enviamos nossos passaportes e aguardamos por 15 dias a chegada do convite para irmos. Na data e hora marcadas, fomos recebidos, com mais seis pessoas, por uma preparada guia que nos acompanhou na visita. A propriedade era uma linda mansão no meio de uma floresta, guardada com toda a segurança. Percorremos corredores com Modigliani, escritórios com Chagal e Picasso em cima dos computadores, bibliotecas com Van Goghs, sala de reunião com uma imensa ninfeia de Monet e esculturas de Giacometti. Enfim, o que eu via em museus americanos e europeus eles possuíam em menor quantidade, porém de igual qualidade.

O pensamento de 1979, da cidade de Cuenca, na Espanha, voltou forte. Minhas filhas estavam formadas – médica, advogada, psicóloga e uma excelente restauradora –, todas casadas e encaminhadas na vida. Minha esposa decoradora, com missão de mãe cumprida. Minha carreira em bom momento, situação econômica estável. A pergunta “Por que não em Tiradentes?” mudou para a afirmativa “É a hora, o momento é agora, em Tiradentes.” Então iniciei, dentro das nossas possibilidades, a realização do sonho de 1979. A cidade de Tiradentes me deu tudo: sua beleza, suas paisagens, a grande Serra de são José (que significa para mim o que a Montanha Santa Vitória significou para Cézanne), as igrejas barrocas, o casario, o povo afável… Um lugar onde viver, um lugar onde morrer. Chegou a hora da retribuição.

Nós, pintores, temos a facilidade de trocarmos nossas obras, deste modo, iniciei a formação do acervo, utilizando as reservas disponíveis. Quando o mundo da arte tomou conhecimento do nosso projeto, começaram oferecimentos de todos os lados. O Brasil, naquela época, estava começando a se ajustar, tentando colocar a economia em ordem, a arte estava em baixa e isto nos facilitou muito. Adquirimos naquele momento quadros que jamais poderíamos pensar em comprar. Consegui readquirir vários quadros meus que, com a morte de seus colecionadores, acabaram em leilão para que o produto da venda fosse dividido entre herdeiros. Passeando pelas salas do IMM vemos várias placas embaixo de quadros dizendo “readquirido”.

Deixei de vender minhas obras, as que julgava serem importantes, para reservá-las para o museu. Passei a viver intensamente o sonho: minha mente, coração, emoções, pensamentos e recursos disponíveis passaram a ser encaminhados para o, já batizado e com estatuto pronto, Instituto Mario Mendonça – Tiradentes.

As notícias correm com o vento e, não sei como explicar, em uma sexta-feira, recebi um telefonema do Dr. Ângelo Oswaldo de Araújo, então Secretário de Cultura do estado de Minas Gerais, marcando um encontro em minha casa de Tiradentes. Ele ficou entusiasmado com o projeto do IMM e perguntou-me como o governo de Minas poderia ajudar. Respondi que já estava ajudando com a sua presença e incentivo. Ângelo Oswaldo, ex-prefeito de Ouro Preto, é o padrinho do nosso Instituto Cultural.

O sonho atingido em 2010 continua…

Obrigado, cidade de Tiradentes! Para você, com nosso amor.

Obrigado, Senhor Deus!

Mario Mendonça

Notas de rodapé

*A Reader’s Digest (Reader’s Digest Association) manteve uma das grandes coleções corporativas de arte do século XX – com pinturas, aquarelas, fotografias e esculturas. Em novembro de 1998 a coleção foi leiloada na Sotheby’s e a venda movimentou dezenas de milhões de dólares e recordes de preço em obras de Modigliani e de Giacometti.

O acervo

O Instituto Mario Mendonça conta com cerca de mil peças – entre óleos, desenhos, esculturas, guaches e aquarelas, sendo que as pinturas a óleo e os desenhos formam a maioria das obras. Há também uma biblioteca com quase três mil títulos, com forte predominância de livros sobre artes plásticas e muita literatura brasileira. Entre os óleos, encontram-se peças representativas de décadas de trabalho do pintor Mario Mendonça.

Além de Mario, artistas importantes da pintura brasileira estão presentes no IMM: Guignard, Castagneto, Di Cavalcanti, Pancetti, Ismael Neri, Volpi, Marcier, Milton da Costa, Santa Rosa, Sigaud, Bracher, Marquetti, Farnese, Antonio Maia, Guima, Ivan Serpa, Aluísio Carvão, José Paulo Moreira da Fonseca, Scliar, Sérgio Telles, Manoel Santiago, Kaminagai, Dionísio Del Santo, Abelardo Zaluar e outros de igual importância. A coleção de desenhos, aquarelas e guaches talvez seja o ponto alto do acervo; lá se encontram Portinari, Tarsila do Amaral, Iberê Camargo, Antonio Bandeira, Inimá de Paula, Visconti, Cavaleiro, Marcelo Grassman, Darel Valença, Djanira, Guignard, Marcier entre outros de igual importância.

Entre as principais peças de artistas estrangeiros, encontram-se no IMM um desenho atribuído a Modigliani, uma gravura de pequena tiragem da fase grega de Picasso, um cartão de tapeçaria de Lurçat, um óleo da época de Fontainebleau – fase precursora ao impressionismo, e uma paisagem expressionista sobre o inverno de Moscou pintada pelo russo Kharationov.

No IMM, o ateliê de Mario Mendonça abriga perto de 100 paisagens, inclusive peças da exposição exibida na Bulgária, em 1981, a convite do Ministério da Cultura búlgaro. Vale a pena ressaltar que até aquela época, Mendonça havia sido o único sul-americano a expor naquele país e, juntamente com Portinari, os únicos sul-americanos com obras no Museu Oficial Ludmila Jivkova.

Antes da entrada do ateliê há um anexo onde se encontram pinturas de paisagens, desde a primeira pintada por Mario, em 1963, até a mais recente. Os autorretratos estão lá também, desde o primeiro, de 1964, até os mais atuais.

Há no Instituto uma capela que abriga, além de uma Paixão pintada por Mario aos seus 70 anos, uma pequena coleção de ícones russos, búlgaros, gregos e de Jerusalém, sendo que um deles é do século XVI. As salas de estar, de refeições e todos os quartos da propriedade têm em suas paredes óleos e desenhos de diversas fases do trabalho de Mario Mendonça e de outros artistas, tudo inspirado no modelo da coleção da Reader’s Digest.

Ao iniciar a visitação, todos recebem um folheto em cuja capa está escrita a filosofia da nossa instituição: “A grande arte deve ser apreciada não somente nos momentos de grande reflexão, mas também nos minutos passageiros de nosso dia a dia.”

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De terça a sábado | das 9h às 17h | (32) 3355-1260
email: contato@mariomendonca.com.br
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Exposição permanente, mediante visitas agendadas e guiadas, de mais de mil obras de arte moderna e contemporânea, brasileiras e estrangeiras, de diferentes gêneros e períodos.

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